O GAROTO QUE NUNCA SERÁ O RONALDO "sinto ter um dever para com o nosso país, que acreditou em mim e investiu os nossos recursos na minha formação no exterior."

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O MAPA DA MINA
Do Enem para a Espanha

Dedicação fez o belo-horizontino William Miranda conseguir a maior nota da região Sudeste no Enem 2012 e uma vaga na Universidade de Salamanca



PUBLICADO EM 24/05/14 - 15h00
JOSÉ VÍTOR CAMILO

Nascido em Belo Horizonte, William Teixeira Miranda, de 20 anos, estudou desde a infância em escolas públicas, sendo uma municipal de Barbacena, no Campo das Vertentes, e depois uma estadual, em Ibirité, na região metropolitana. Na infância, ele foi diagnosticado como hiperativo, e os professores tentavam "entretê-lo" com tarefas extras. "Sempre gostei muito de estudar, e me destacava pelo rendimento nas aulas. Sempre me interessei pelos estudos, sobretudo pela matemática, que até hoje me fascina", conta. Em 2012, ele foi aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com a maior nota da região Sudeste do país, o que o proporcionou a possibilidade de cursar engenharia química na Universidade de Salamanca, na Espanha. "Sinto ter um dever para com o nosso país, que acreditou em mim e investiu os nossos recursos na minha formação no exterior", observa Miranda.

Você sempre foi estudioso?

Sempre gostei muito de estudar, e me destacava pelo rendimento nas aulas e pelo empenho em realizar as tarefas e trabalhos solicitados. Morei por quatro anos em Barbacena, e lá cursei as séries iniciais do ensino fundamental em uma escola municipal, onde os professores me incentivavam bastante. Na infância, fui diagnosticado como hiperativo, então os professores me tentavam me “entreter” com tarefas-extra, o que ocorreu até a sexta série, quando já havia voltado a viver com minha avó, em Ibirité. Mas sempre tive muito interesse pelos estudos, sobretudo pela matemática, que até hoje me fascina. Igualmente, amo ler e escrever, aprender outros idiomas, estudar história, e nem é preciso dizer que sou apaixonado pela química.

Por que decidiu fazer a prova do Enem?

Em 2011, eu me havia inscrito no Enem porque planejava cursar engenharia química na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a nota do Enem era, então, utilizada como primeira etapa do vestibular da UFMG. Porém, no sábado de provas, uma forte chuva e complicações no trânsito me impediram de chegar ao local de provas antes das 13h03, mesmo eu tendo saído de casa com quase três horas de antecedência. Não me permitiram a entrada. No domingo, voltei para fazer o que restava das provas, mas eu já não poderia fazer a segunda etapa do vestibular da UFMG, porque só a nota do segundo dia seria insuficiente.

E, como eu terminava, nesse mesmo ano, o meu curso técnico em química integrado ao ensino médio no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), já havia decidido fazer o vestibular do Cefet-MG como forma de “treinamento” para as provas da UFMG. Acabei sendo aprovado no Cefet para o curso de engenharia de materiais, e optei por começar a graduação, para tentar novamente, no ano seguinte, uma vaga na UFMG. Assim, poderia aproveitar as disciplinas básicas que eu já tivesse concluído.

Em 2012, fiz novamente o Enem e o vestibular da UFMG, e também me inscrevi com a nota do exame no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e no Programa Universidade para Todos (ProUni), do governo federal, enquanto esperava o resultado da UFMG. Para minha surpresa, fui aprovado em primeiro lugar para engenharia química na UFMG, na UFRJ (pelo Sisu, também em 1º), e ainda na PUC-Rio (pelo ProUni, novamente em 1º lugar).

Você chegou a fazer cursinho?

Em 2011, devido ao meu desempenho escolar no Cefet-MG, um professor de matemática havia conseguido uma bolsa para mim num cursinho, e eu cheguei a frequentar as aulas no período da noite. Mas, depois do ocorrido com o Enem, abandonei as aulas. Em 2012 não fiz cursinho, e tampouco tinha muito tempo para me preparar para o exame, já que o curso de engenharia me consumia quase todo o dia.

Como era sua rotina de estudos?

O ensino médio de excelência do Cefet-MG já me havia dado uma grande base para que eu fosse capaz de fazer as provas dos vestibulares, o que me ajudou a direcionar bem os esforços na hora de estudar. Então, para estudar para o Enem, foquei nas provas de edições anteriores. Como não tinha tanto tempo para me dedicar exclusivamente ao exame, decidi refazer algumas provas que já haviam sido aplicadas, tentando sempre identificar as minhas deficiências e os conteúdos que eu necessitava repassar. Estudava nas poucas horas livres durante a semana, nos intervalos entre uma aula e outra, e nos fins de semana, quando era possível.

Você considera que precisou abrir mão de momentos de lazer para passar?

Seguramente. Mas isso é algo que, de certa forma, o próprio Cefet-MG já me exigia. A rotina exaustiva e a disciplina necessária para obter bons resultados nessa instituição nos obrigam, algumas vezes, a abrir mão de determinados passeios, descansos, festas... Contudo, era possível conciliar os estudos com momentos de lazer, o que é fundamental para conseguir levar bem a vida acadêmica.

Para você, o que foi necessário para alcançar a primeira posição?

Eu nunca almejei o primeiro lugar. Apenas queria uma vaga na UFMG, nem que fosse a última, como me ocorreu quando fui aprovado para o curso técnico integrado ao ensino médio. Mas acredito que a dedicação constante aos estudos, o incentivo dos familiares, amigos e professores, e, sobretudo, o ritmo de estudo imposto pelo próprio Cefet-MG me ajudaram muito a obter esse resultado.

Como se sentiu ao saber da classificação?

Foi uma surpresa muito grande. Quase não acreditei quando recebi uma ligação do Ministério da Educação, informando sobre a minha colocação na região Sudeste e a possibilidade de conseguir uma vaga na Universidade de Salamanca, na Espanha. Foi um momento muito marcante para mim e para a minha família, porque, ao mesmo tempo em que essa conquista representava os resultados de muitos esforços ao longo dos anos, representava também uma oportunidade ímpar nas nossas vidas.

Como está sua vida atualmente?

Estou cursando o segundo período da minha graduação em engenharia química e, até agora, tudo corre bem. Desde que cheguei aqui, há um ano, aprendi um novo idioma, tive a oportunidade de conhecer pessoas de diversas partes, várias culturas, e pude contemplar de perto muitas das belezas sobre as quais havia lido nos livros. Estudar em uma Universidade que tem aportado, por oito séculos, significativos feitos para a humanidade (como o nosso calendário atual, para citar um exemplo) está sendo uma experiência riquíssima, tanto em conhecimento quanto em crescimento pessoal.

Pretende voltar ao Brasil?

Não só pretendo como devo fazê-lo. O convênio do MEC com a Universidade de Salamanca pelo qual estou aqui prevê o meu retorno ao Brasil ao final da graduação. E mais: sinto ter um dever para com o nosso país, que acreditou em mim e investiu os nossos recursos na minha formação no exterior.

O que você aconselha para quem tentará o Enem este ano?

Escrevi, há mais ou menos um ano, em um blog pessoal, um texto com "dicas para fazer o Enem". Alguns colegas já me disseram que lhes foram muito úteis essas dicas, e compartilho uma síntese com vocês: ler atentamente o edital do Enem, para conhecer as normas que regem o exame; manter a calma durante as provas; compor uma boa redação (o que se pode conseguir com muito treino); preparar-se estrategicamente para os dias de prova, conhecendo bem o local de aplicação e as rotas alternativas para se chegar até lá, haja vista as mudanças introduzidas no trânsito com o novo sistema público de transporte implantado em BH.

Não obstante, penso que o mais importante é acreditar sempre na possibilidade do êxito. Sei que nem todos têm a oportunidade de se preparar adequadamente para o Enem, quer seja pelas deficiências da escola pública tradicional, quer seja pela falta de recursos para pagar um cursinho, dentre outros motivos. Porém, a vontade de traçar um futuro diferente é que deve mover cada pessoa na hora de suas escolhas, suas decisões e, efetivamente, na hora de se preparar para fazer um exame tão importante quanto o Enem.

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